terça-feira, dezembro 16, 2025

Curiosidade do dia

"The size of the state is currently 45% and heading north. As Robert Colvile put it recently we have had “one-way Keynesianism” in which Chancellors are happy to run deficits when times are tough but don’t then pay them down when recovery comes. The overall tax burden is on track to reach 38% of GDP the highest level since the war and a full 11 percentage points higher than in 1993. And believe it or not Britain has the most progressive tax system in Europe, with high earners paying more relative to the average than anywhere else (the top 0.1% of earners pay more income tax than the bottom 50%).

...

The minimum wage is now two-thirds of median hourly earnings, the highest it has ever been, and one of the highest in Europe. Meanwhile, the regulatory burden on business has never been higher and the relative ease of hiring and firing established during the Thatcher era has been substantially reversed, even before the current employment legislation is enacted."

Os ingleses já nos ultrapassaram no socialismo:

E isso tem consequências ...

Os polacos:
"Average household income in Poland is on target to be higher than Britain by 2031. No wonder so many who moved here are going back."
"Why are so many Poles returning home?
By the end of this year, Polish living standards are forecast to match those in Japan and Poles who were working across Europe are returning home. So how has the former communist country managed its economic miracle? And will it last?"

Quando o ritmo do mercado acelera ...


No Financial Times do passado dia 9 encontrei um artigo particularmente revelador: "Chinese rivals seize on Apple’s AI struggles". Não tanto pelo que diz sobre smartphones — isso é o pretexto — mas pelo que expõe sobre como vantagens históricas se transformam, silenciosamente, em fragilidades.

Durante anos, a maior força da Apple foi o seu ecossistema fechado. A integração quase perfeita entre hardware, software e serviços criou uma experiência difícil de igualar e, sobretudo, difícil de abandonar. Essa dificuldade de saída funcionou como uma poderosa barreira competitiva. Mas vantagens construídas para contextos estáveis raramente sobrevivem intactas quando o contexto muda.

Na China, essa mudança tornou-se visível. A Apple tem tido dificuldades para lançar funcionalidades de inteligência artificial no maior mercado mundial de smartphones. O artigo nota que a empresa:

"struggles to provide artificial intelligence features"

num ambiente em que o regulador chinês 

"has delayed the approval of Apple’s planned introduction of AI features because of geopolitical tensions with the US."

O problema, portanto, não é apenas tecnológico. É político, regulatório e, acima de tudo, estrutural.

Esse atraso criou um espaço que os fabricantes chineses souberam ocupar com pragmatismo. Huawei, Honor, Oppo ou Xiaomi não tentaram "bater" a Apple no seu próprio jogo; atacaram o ponto onde a Apple sempre foi mais forte. Estão a promover activamente aplicações que reduzem o custo de abandonar o iPhone. Como descreve o artigo, os fabricantes chineses:

"Chinese phonemakers are promoting apps that help users switch from the iPhone in a race to gain market share as Apple struggles to provide artificial intelligence features in the world's largest smartphone market."

Quando o valor incremental do ecossistema diminui, a fricção da mudança deixa de ser um travão — passa a ser apenas um incómodo temporário.

Há aqui uma diferença fundamental de abordagem. Enquanto a Apple avança de forma cautelosa, dependente de aprovações e de um modelo mais fechado, os fabricantes chineses estão a mover-se mais depressa e com maior abertura na integração da IA. Um analista citado é claro: 

"Chinese smartphone vendors are clearly moving faster and with greater openness in AI development."

 Essa velocidade traduz-se em funcionalidades práticas, aplicadas ao quotidiano, que tornam a inovação menos abstracta e mais tangível.

Os efeitos começam a medir-se. No caso da Honor, 37% dos compradores online do seu mais recente modelo de topo tinham migrado de dispositivos Apple usando essas ferramentas. 

"Li said that 37 per cent of online buyers of Honor's latest flagship phone, the Magic V5, had switched from Apple devices using these tools. "We've been effective in attracting high-end Apple users," he said."

Isto não é narrativa de marketing; é conversão real num mercado ferozmente competitivo. Não por acaso, a Apple já deixou de liderar o mercado chinês, tendo sido ultrapassada por concorrentes locais.

"The country's smartphone market is highly competitive, with no company holding a share greater than 20 per cent. Apple, previously a market leader, was dethroned last year by Vivo, which commanded 18.5 per cent as of the third quarter of this year, according to Counterpoint Research.

Apple, Honor, Oppo, Xiaomi and Huawei each held between 13.6 per cent and 16.4 per cent in the third quarter."

Curiosamente, esta ofensiva não nasce de uma rejeição da Apple, mas de aprendizagem estratégica. O fundador da Xiaomi resume bem essa atitude ao afirmar que a Apple é "a truly great company", uma referência que deve ser estudada, comparada — e ultrapassada. O aluno aplicou a lição e virou-a contra o mestre.

Fora da China, o impacto ainda é limitado. Os próprios analistas reconhecem que estas novas funcionalidades ainda não fizeram mossa significativa na posição da Apple no segmento premium noutros mercados. Mas o risco mais profundo já se materializou: a erosão daquilo que sempre protegeu a Apple. Como conclui o artigo, esta estratégia está a permitir aos fabricantes Android 

"really break the barrier of Apple’s closed ecosystems."

A história não é nova. Vantagens consolidadas tendem a cristalizar-se. Ecossistemas fechados protegem, mas também atrasam. Quando o ritmo do mercado acelera, quem depende da perfeição perde terreno para quem entrega progresso suficiente — mais cedo. E é nesse momento que até os muros mais sólidos começam, inevitavelmente, a abrir brechas.

segunda-feira, dezembro 15, 2025

Curiosidade do dia


Vi na internet um artigo de jornal com este título, "Falta de animais e aumento do consumo explicam subida de preços da carne". O artigo começa assim:

"Secas, doenças, o custo das rações e as restrições à actividade pecuária ditaram a redução do número de animais e o aumento das importações de carne. Os preços dispararam e ameaçam piorar em 2026."

Como tenho acompanhado as exportações de animais vivos ao longo dos anos, tive curiosidade em ver os últimos números. Tenho desleixado a monitorização mensal das exportações.  O desempenho até Outubro deste ano foi:


No caso dos animais vivos, um crescimento superior a 17% também deve ter efeito nos preços internos. E já agora, as exportações de "carnes e miudezas" cresceram 27%.

Já agora, comparei a evolução homóloga Janeiro-Maio com a de Janeiro-Outubro e a imagem é a de um 2025 com uma desaceleração das exportações na segunda metade do ano.


"Radical honesty"

 Em Março de 2015 escrevi isto no Twitter:

Num artigo no blogue, mais tarde escrevi em "Outra forma de David bater Golias": 

"Para muitos turistas, a marca Eureka é desconhecida. Portanto, é mais uma marca "internacional", como as outras, só que menos conhecida. A ligação à fábrica, o reforçar a sua portugalidade, talve tivesse o efeito sugerido neste artigo.

Criar, reforçar, abusar da imperfeição dos mercados..."

Entretanto, no FT do dia 13 de Dezembro, encontrei "Can radical honesty' gain customers' trust?"

O artigo analisa como várias marcas de moda estão a usar uma nova forma de "transparência", não apenas focada na sustentabilidade, mas numa estratégia mais ampla de comunicação honesta, de narrativa da cadeia de valor e de envolvimento directo com os consumidores. 

O texto defende que a tradicional promessa de qualidade já não basta, devido à opacidade da cadeia de produção e ao cansaço em relação aos discursos ambientais. Assim, algumas marcas começam a adoptar uma abordagem de "radical honesty": mostrar os custos reais, explicar as falhas, revelar os fornecedores, filmar os bastidores e dar voz aos fundadores. 

Esta transparência emocional, imperfeita e humana torna-se uma ferramenta para recuperar confiança e criar uma ligação genuína com os consumidores, num mercado saturado de marketing tradicional. 

"The fashion industry's supply chain is incredibly opaque... it has become harder and harder for consumers to truly know where clothes come from, how they are made and by whom.

...

Most brands are reluctant to disclose their suppliers.

...

Transparency used to be all about sustainability. Now, savvy brands are using the idea to show what's behind the label.

...

There's a [mental connection] between transparency and quality.

...

People want to know that they're getting a good product, especially in the premium bracket. 

...

When you share that knowledge, you build trust and authenticity."

domingo, dezembro 14, 2025

Curiosidade do dia


Isto encaixa perfeitamente no que escrevi em Agosto passado:
"A fé não é acreditar em algo que vem do passado ... a fé é como ter a certeza em algo que ainda não aconteceu e confiar no que não se vê. 

Abraão tinha 75 anos quando ouviu o chamamento de Deus, podia ter ficado na sua comodidade, na boa vida da casa dos pais, mas não, partiu para a aventura, partiu para o desconhecido.

Enquanto ouvia a homilia, realizei que se calhar nunca tinha percebido a fé assim. Ter fé, segundo Hebreus 11, é acreditar e agir confiando em Deus, mesmo quando não se tem todas as respostas ou provas visíveis. Não é "esperar sentado" - é andar para a frente como se o que Deus prometeu já fosse real."

Antigos e modernos usam a mesma palavra, fé, mas com significados completamente diferentes. Para os antigos, ter fé não significava acreditar que Deus existe; para os antigos, a existência de Deus era como respirar, um facto da vida. Ter fé significa confiar em Deus quando nos chama, daí a Igreja Católica dizer que a fé é um dom de Deus. É Deus que chama, cabe-nos a nós estar preparado para aceitar ou não o desafio.



Azeite, outra vez - Inovar é mudar de quadrante, não só de produto (parte IV)

Parte IParte II e Parte III.

Mais um exemplo de mudança de quadrante com azeite. No The Times de ontem li o artigo, "Growers rush to produce the UK's first extra virgin olive oil":

"Last year ValleRuan on the Roseland peninsula in Cornwall was the first to sell English olive oil with its Winter Press virgin product sold at £15 for 250ml. 

...

But the trees had survived temperatures as low as minus 7C, which researchers say should have killed them. [Moi ici: E lembrei-me das oliveiras de Murça, por exemplo]

...

The English Olive Company, in small batches of 250ml bottles for £20 each. Each batch has sold out within 30 minutes.

...

Hoyles suggested the less ripe English olives had an unexpected advantage over their Mediterranean rivals - a high polyphenol content, which is believed to offer extensive health benefits."

A história deste azeite inglês mostra como se sobe na escala de valor sem infraestruturas gigantes nem tradição secular:

  • microprodução ➡️ exclusividade
  • origem inesperada ➡️ narrativa diferenciadora
  • processamento artesanal ➡️ autenticidade percebida
  • preço alto ➡️ posição premium 
  • cliente curioso ➡️ disposição para pagar mais
O artigo mostra que, apesar do Reino Unido não ter tradição, está a nascer um micro-nicho de azeites artesanais, com forte identidade local e um posicionamento claramente premium.

Ou seja: criação de valor pela diferenciação, não pela eficiência de custos. Relembro a história do suíço que produzia azeite no Alentejo.



sábado, dezembro 13, 2025

Curiosidade do dia

Neste postal de 2020, "Não é agradável escrever sobre fracassos (parte I)" recuo a 1993(?):

"Na altura, fabricavam-se autorádios de uma marca alemã em Braga. Esses autorádios incorporavam circuitos impressos fabricados na Alemanha. A certa altura, o fabricante alemão, que pertencia ao mesmo grupo da fábrica de Braga, teve de fechar a fábrica para uma série de investimentos e manutenções. À boa maneira alemã ambas as fábricas planearam a paragem com stocks para a fábrica portuguesa que continuaria a laborar. As empresas põem e os clientes dispõem. A Audi resolveu fazer uma actualização qualquer de emergência e a fábrica de Braga não tinha stock, nem possibilidade de receber da Alemanha o novo circuito impresso. Então, para não falhar com a Audi, descobrem a fábrica onde eu trabalhava e fazem uma encomenda. Aproveitam a onda e fazem mais uma e mais outra.

Para a fábrica de Braga foi uma experiência interessante, por uma vez eram eles que mandavam, por uma vez não tinham de aturar um fornecedor alemão que mandava neles (recordar os clientes prisioneiros nos ecossistemas).

Não sei se a coisa surgiu naturalmente ou se foi forçada por Braga. Numa visita do cliente Audi à fábrica de Braga ele refere que reparou que os autorádios estavam melhores em termos de desempenho, que tinham investigado e percebido que os circuitos impressos vinham de outro fornecedor. Um parêntesis, se olharem para um circuito impresso ele tem sempre a marca do fabricante. E a bomba! A Audi queria que, de agora em diante, os circuitos impressos para os seus autorádios viessem daquele fornecedor.

O certo é que passado algum tempo, por causa da Audi, por causa dos preços, por causa da relação de poder que Braga ganhava, a minha fábrica começou a trabalhar mais e mais para Braga. BTW, a fábrica alemã acabou por ser desmontada e vendida para a Malásia."

 Lembrei-me disto ao ler "Samsung (Mobile) não consegue comprar chips à... Samsung". A Samsung Mobile (a divisão que faz os telemóveis Galaxy) está, neste momento, incapaz de comprar chips essenciais à sua própria divisão de semicondutores dentro do grupo Samsung. Por isso, tem de recorrer a outro fornecedor.

Imaginei um cenário em que a Samsung Mobile descobre que tem vantagens, pode não ser custo, em recorrer a um fornecedor exterior definitivamente.

O que destrói valor em organizações grandes raramente é a falta de tecnologia, ou a falta de dinheiro, ou a falta de talento. O que destrói valor é a falta de alinhamento, os silos que não falam, os incentivos que empurram cada equipa para direcções opostas, as decisões tomadas com informação parcial, as práticas políticas internas que sabotam a visão conjunta.

A certa altura há menos fricção em recorrer a um fornecedor externo do que a uma empresa do mesmo grupo.



Revisão pela gestão - elevar a qualidade da informação (parte V)

Parte Iparte IIparte III e parte IV.

A revisão pela gestão é, em teoria, um dos momentos mais importantes do sistema de gestão: o processo em que a organização pára para pensar, interpretar o que aconteceu, aprender e ajustar o rumo.

Na prática, porém, demasiadas revisões transformam-se num ritual burocrático, saturado de tabelas, valores soltos e apresentações intermináveis — precisamente aquilo que não ajuda uma equipa de gestão a decidir.

Uma revisão eficaz depende, acima de tudo, da qualidade da informação que se prepara e inclui no relatório.

E a qualidade da informação melhora drasticamente quando se fazem duas coisas bem: trazer narrativas e usar dados visuais que revelam tendências.

A maioria das revisões falha porque as pessoas chegam à reunião "armadas" com as tabelas incluídas no relatório.

Mas números sozinhos são mudos: mostram sintomas, não causas.
A gestão precisa de explicações, não apenas de valores.
Uma narrativa bem construída responde a quatro perguntas simples:
  • O que aconteceu realmente?
  • Por que aconteceu?
  • O que aprendemos?
  • O que vamos fazer diferente? É preciso fazer diferente?
Os gráficos mostram que o indicador subiu ou desceu; a narrativa explica porquê — e é essa explicação que sustenta decisões responsáveis.

Narrativas transformam a revisão de um exercício de contabilidade num momento de aprendizagem organizacional. Os números informam; as narrativas esclarecem.

Um livro que muito me influenciou nos anos 90 foi  “Keeping Score - using the right metrics to drive world-class performance” de Mark G. Brown. Nesse livro, nunca mais esqueci, o autor lista três erros fatais na apresentação de resultados:
  • usar tabelas em vez de gráficos;
  • mostrar apenas o último valor; e
  • ignorar metas ou referenciais.
Os três erros têm um denominador comum: apagam o contexto.
E sem contexto, a revisão pela gestão transforma-se numa lotaria emocional — no estilo "herói num mês, enforcado no seguinte". Uma montanha-russa de emoções:


As tabelas podem ser precisas, mas são péssimas para revelar padrões.
Em contrapartida, um gráfico bem construído mostra em segundos aquilo que uma tabela nos esconde em minutos:
  • tendência;
  • sazonalidade;
  • variação;
  • estabilidade ou instabilidade do sistema; e
  • relação entre indicadores.
Os indicadores são apresentados num dashboard. E um dashboard eficaz deve caber num único olhar — nunca num interminável scrolling, como Stephen Few explica de forma magistral. O recurso a sparklines permite mostrar o essencial — tendência, ponto actual, variação — numa linha discreta, elegante e compacta. Esta técnica permite ver o conjunto completo de indicadores num único ecrã ou numa folha A4. É aqui que se cumpre o ideal de Few: simultaneidade de visão, o momento em que começamos a ver relações, não apenas valores.

O que deve conter cada indicador apresentado na revisão?
  • 12-24 meses de histórico.
  • Limites, metas ou referencias.
  • Linha de tendência.
  • Relações com outros indicadores.
  • Simplicidade visual: menos cor, mais sinal.
Este ponto é crítico: demasiadas cores transformam-se em ruído. A famosa "árvore de Natal" não ilumina decisões — apenas cansa a vista. Substituir os semáforos verdes/vermelhos por uma paleta mais neutra (pastel?) aumenta a legibilidade e reduz distracções.

Sem tendência, não há entendimento; sem entendimento, não há boas decisões.

A última síntese visual indispensável para uma revisão de qualidade é a carta de controlo — a ferramenta que impede a organização de cair na “bipolaridade militante” (herói/enforcado).

As cartas de controlo individuais (I-charts) revelam três informações essenciais:
  • Se a variação é aleatória ou estrutural.
  • Se o processo está estável ou instável.
  • Se vale a pena agir… ou se devemos deixar o sistema trabalhar.
Sem cartas de controlo, cada subida ou descida parece um acontecimento sobrenatural — um verdadeiro raio disparado do alto do Olimpo.


Mas a carta diz-nos a verdade que muitos gestores não querem ouvir: “O processo só consegue dar isto. O resto é fantasia.”

E aqui entra a lição do funil de Deming:
  • agir sobre o ruído destrói a estabilidade;
  • agir sobre o sinal é a essência da melhoria.
Nenhuma organização melhora só porque viu números.

Melhora quando compreende o comportamento do seu sistema. Quando isto acontece, a revisão deixa de ser um conjunto de "slides para cumprir a norma" e passa a ser um momento estratégico de verdade.
E só então, nesse instante em que o sistema fala e a gestão escuta, começam as decisões que constroem o futuro.

sexta-feira, dezembro 12, 2025

Curiosidade do dia

 O artigo "The fall of a prolific science journal exposes the billion-dollar profits of scientific publishing" expõe um sistema científico que, tal como na fábula da galinha dos ovos de ouro, começou por ter algo valioso — revistas credíveis, revisão científica por pares, reputação construída ao longo de décadas — e acabou por destruir a própria fonte do valor ao tentar multiplicar os “ovos” demasiado depressa.

A editora Elsevier, com margens de 38% e milhares de artigos publicados todos os anos, percebeu que quanto mais publicasse, mais lucrava. E ao transformar a ciência num negócio de volume, onde publicar vale mais do que validar — abriu a porta às irregularidades, peer reviews falsos, artigos medíocres e incentivos perversos. O resultado está descrito no próprio artigo: a queda de uma das revistas mais prolíficas do mundo, Science of the Total Environment, expulsa dos índices da qualidade por comprometer os seus critérios.

É aqui que entra o ditado “quem tudo quer, tudo perde”.

Ao tentar maximizar lucros e produtividade artificialmente, o sistema sacrificou aquilo que tornava a ciência valiosa: rigor, confiança, credibilidade. Como na fábula, o dono mata a galinha ao abri-la para tentar obter mais ouro — e descobre tarde demais que já não sobra nada.

Quando um sistema troca qualidade por quantidade, lucro imediato por reputação duradoura, acaba sempre por destruir aquilo que o tornava útil. A ganância corrói os alicerces, e quando percebemos, já não há ovos nem galinha.


Em Portugal, a conversa de café é a norma (parte V)

No passado dia 4 de Dezembro último, o FT publicou um artigo muito relevante para um certo tipo de conversas que costumamos ter aqui no blogue, "Traditional industries trail in Taiwan's AI boom".

O artigo descreve a profunda divergência económica dentro de Taiwan: enquanto o sector tecnológico — especialmente semicondutores e hardware ligados à inteligência artificial — impulsiona um crescimento económico impressionante e exportações recorde, as indústrias tradicionais enfrentam uma crise silenciosa.

"Taiwan is enjoying an artificial-intelligence-fuelled boom that pushed GDP growth above 8 per cent in the third quarter."

"Demand for Al hardware and electronics sent Taiwan's exports soaring 23 per cent year on year in the three months from July to September."

"But machinery and other traditional manufacturers have not been feeling much benefit."

Empresas de maquinaria, componentes mecânicos, têxteis, metalomecânica e outros sectores “não-tech” sofrem com três pressões simultâneas: custos em alta, encomendas em queda e competição feroz da China.

"All of our costs are going up. A lot of our customers have gone out of business."

"Higher input prices imposed by US president Donald Trump have eroded profitability."

"Some buyers of metal and electronics goods who previously showed strong demand... have paused forecasts."

"Traditional manufacturers... are suffering increasing competition from lower-cost rivals in China."

"Taiwanese manufacturers are facing rising competition from China."

Apesar de o PIB ter crescido mais de 8% no terceiro trimestre, muitos industriais afirmam que “a economia está má”porque não sentem qualquer benefício deste boom tecnológico. Os lucros concentram-se numa minoria de empresas de semicondutores, enquanto milhares de PME tradicionais atravessam um período de margens comprimidas, falta de investimento e deslocalização de clientes.

"The economy's pretty bad," Chung said recently in the packed, dusty aisles of his factory. 

"We don't feel any benefit."

"Taiwan's economy grew... 8.21 per cent year on year... but many manufacturers say they are struggling."

Por um lado, o desempenho dos líderes da formação de Flying Geeses:

"Taiwan's tech industry has proved a global powerhouse... TSMC produces almost 90 per cent of the world's most advanced semiconductors."

"Profit margins for Taiwanese tech companies are usually quite high..."

Por outro, o desempenho dos sectores tradicionais:

"Profit margins for Taiwanese manufacturers are usually quite low," Kan said.

"Our customers have gone out of business." 

"Manufacturers... are suffering increasing competition from lower-cost rivals in China."

"Some buyers... have paused forecasts, fearing that traditional manufacturers' difficulties... might weigh heavily."

"Taiwan's non-finance, non-technology business confidence index has fallen more than 53 per cent this year."

Há tantos ângulos para poder abordar este artigo e sobre o que ele significa. Por exemplo:

  • A divergência entre sectores de baixa e alta produtividade (Parte I)
  • A importância dos sectores estrangeiros e o efeito de spillover (Parte II)
  • A mudança da composição dos sectores e o papel do IDE (Parte III)
  • Os riscos de “zombies”, proteccionismo e apoios que atrasam a economia (Parte IV)
  • O papel do investimento estrangeiro transformacional - volto a 2022 ou a 2024.
Continua.

quinta-feira, dezembro 11, 2025

Curiosidade do dia

Um dia também cá chegaremos a isto "Palantir says college is no longer a reliable training ground—so it hired 22 high school students instead: ‘Skip the debt. Skip the indoctrination.’"

O programa, chamado Meritocracy Fellowship, oferece aos finalistas do secundário quatro meses de formação e inserção directa em equipas que trabalham em projectos reais da empresa, com clientes em áreas como saúde, defesa ou governo. 

Esses jovens começam a ganhar salário imediatamente — cerca de 5.400 USD/mês, segundo os termos iniciais — o que significa ganhar experiência real e rendimento, sem os custos e o tempo de um curso universitário. 

Para talentos com perfil técnico e motivação, é uma via “hands-on” que os põe rapidamente em contacto com tecnologia de fronteira. Isso pode ser mais relevante e útil em determinadas áreas tecnológicas do que uma formação teórica genérica na universidade.



As limitações fazem parte da estratégia — não são obstáculos à estratégia


No FT do passado dia 9 de Dezembro encontrei um artigo muito interessante, "Smartphone maker Nothing takes aim at Apples dominance".

O artigo de John Gapper (8 em cada 10 artigos de John Gapper são um must) analisa a Nothing, empresa fundada por Carl Pei (ex-OnePlus), que procura posicionar-se como uma alternativa relevante num mercado dominado pela Apple e pela Samsung. 

Apesar de ter pequena dimensão e recursos limitados, a Nothing tem crescido com produtos diferenciados, design arrojado e foco em atributos que os utilizadores realmente valorizam. O seu modelo combina identidade de marca forte, preços mais acessíveis e sensibilidade europeia no design, enquanto a produção é realizada na Índia e na China.

O artigo destaca que, embora o mercado global esteja maduro e a vantagem de Apple seja enorme, a Nothing encontrou nichos em que consegue competir: gama média, estética distinta, marketing eficaz e comunidades jovens em busca de alternativas. Porém, a limitação de escala, as margens reduzidas e as pressões regulatórias continuam a ser obstáculos sérios para a empresa.

Estratégia é sobre escolhas — e Nothing faz escolhas claras. Pei não tenta competir com a Apple em tudo, mas apenas onde consegue ganhar:
  • gama média,
  • estética distinta,
  • comunidade jovem,
  • design europeu,
  • funcionalidades "visíveis".
É a aplicação directa do princípio de Roger Martin: ganhar é escolher um campo de batalha onde se pode ganhar, não onde o rival é mais forte.

A Nothing sabe que não pode competir com Apple no ecossistema fechado e premium, nem com Samsung na escala de produção.

Logo, evita competir pelo preço (estratégia impossível face à China), e compete pela identidade da marca e pela experiência sensorial (Glyph UI).

Num mercado saturado, vence quem cria valor distinto, não quem tenta ser "igual, mas mais barato".

A competição relevante não é perfeita:
  • os consumidores não escolhem apenas specs, escolhem histórias, estética, tribo.
  • as empresas pequenas podem dominar um segmento mesmo num mercado dominado por gigantes.
A Nothing está a usar o nicho "anti-Apple" jovem e visual, como forma de explorar imperfeições de mercado.

Pei reconhece que tem:
  • menos dinheiro,
  • menos recursos,
  • menos talento disponível.
Mas as limitações fazem parte da estratégia — não são obstáculos à estratégia. Nada disto impede que a Nothing desenvolva um território próprio.

Material para reflexão nas PMEs:
"Our weakness is that we have less resources, but we do have speed and hopefully taste."

 






quarta-feira, dezembro 10, 2025

Curiosidade do dia

A decisão da Dinamarca de terminar a entrega de cartas, depois de uma queda de mais de 90% no seu volume, é mais do que uma nota curiosa sobre serviços postais. É uma lição de maturidade institucional.

 Os dinamarqueses olharam para uma mudança estrutural, profunda e irreversível, e fizeram aquilo que sociedades confiantes costumam fazer: adaptaram-se. Não fingiram que a realidade pode ser revertida por decreto. Não tentaram proteger modelos esgotados. Simplesmente aceitaram que o mundo mudou e alinharam o serviço público com o presente, para não hipotecarem o futuro.

Em Portugal, continuamos atolados no movimento contrário.

O caso recente da Vasp, que pondera abandonar a distribuição diária de jornais em vários distritos por causa da quebra de vendas e do aumento dos custos operacionais, é um exemplo cristalino dessa diferença cultural. A reacção da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) foi imediata: apelo ao Estado. Apelo a mecanismos. Apelo a meios. Tudo menos encarar a realidade. A associação alerta para o risco de "colocar em causa o direito à informação" e pede ao Governo que garanta a distribuição em todo o território, como se o problema fosse conjuntural e não o resultado de uma transformação profunda no consumo de notícias e na demografia. 

Nem uma reflexão sobre alternativas digitais. Nem uma palavra sobre novos modelos de negócio. Nem um incentivo à inovação. Apenas a exigência de que o Estado mantenha, a qualquer custo, uma estrutura que a própria economia já abandonou.

É aqui que o contraste com a Dinamarca ganha força: enquanto uns remodelam o futuro, outros tentam conservar o passado através de subsídios, obrigações e protecção administrativa. Até órgãos como a Rádio Observador, que se posicionam como liberais e pró-mercado, cedem, muitas vezes, a esta narrativa confortável: "se algo está a desaparecer, o Estado que resolva". É um socialismo suave, afectivo, que não se assume como tal, mas que protege práticas antigas por receio, nostalgia ou falta de imaginação.

O que está verdadeiramente em causa não é a Vasp, nem os municípios, nem os jornais. É a nossa incapacidade colectiva de aceitar que certos modelos deixaram de ser sustentáveis. A defesa do "direito à informação" não exige que se distribuam jornais impressos porta a porta em todo o país; exige, isso sim, que se garantam formas eficazes, modernas e economicamente viáveis de acesso à informação.

Precisávamos, talvez, da mesma coragem institucional que vimos na Dinamarca: reconhecer a mudança, redesenhar o serviço com base no presente e aceitar que nem tudo pode ser preservado. O apego aos direitos adquiridos é compreensível — mas tem um custo. E esse custo é o de um país que fica parado, cristalizado em modelos que já não respondem ao mundo em que vivemos.

A questão é simples e desconfortável: queremos o futuro ou queremos manter relíquias vivas por meio de transfusões públicas eternas?

A Dinamarca respondeu. Nós continuamos a hesitar.


Revisão pela gestão - um espaço para decidir, não para apresentar (parte IV)

Parte Iparte II e parte III.

A revisão pela gestão prevista na ISO 9001:2015 é, por definição, um espaço de avaliação, reflexão e decisão. No entanto, em muitas organizações, a reunião transforma-se numa sequência interminável de apresentações, gráficos, explicações técnicas e leituras de relatórios. O que deveria ser um momento de liderança estratégica converte-se num exercício de transmissão de informação — precisamente aquilo que não acrescenta valor quando se está a gerir um sistema da qualidade.

A ISO 9001 é muito clara: as entradas do 9.3.2 devem ser consideradas, isto é, analisadas, sintetizadas e preparadas antes da reunião. Num webinar sobre a revisão pela gestão, costumo dizer: "Meeting time is too expensive and should be used wisely." A reunião não existe para fazer apresentações; existe para tomar decisões.

E para que a reunião seja um espaço de decisão, há uma condição essencial: toda a informação deve ser distribuída com antecedência, e todos os participantes devem chegar à reunião tendo estudado essa informação. Isto é o que permite que o tempo colectivo seja usado para interpretar, decidir e orientar o futuro do sistema — e não para ouvir o que poderia ter sido lido antes.

Preparação prévia: o segredo para libertar a reunião. O ponto 2 do fluxograma lá em cima.

A qualidade da revisão depende mais do trabalho realizado antes da reunião do que do que ocorre durante a reunião. O processo é simples:
  1. Os responsáveis preparam todas as entradas da cláusula 9.3.2, com análise, síntese e tendências, e não apenas dados brutos. Não afoguemos a gestão de topo em dados. Temos de lhes dar significado, não números.
  2. Esta informação é enviada com antecedência suficiente (muito difícil em Portugal).
  3. É solicitado (e exigido) que todos os participantes a estudem cuidadosamente.
  4. A agenda é construída não com tópicos, mas com perguntas que exigem decisões.
  5. A reunião discute apenas o que precisa ser decidido.
O grande erro é tentar "fazer tudo numa reunião": apresentar dados, explicar, analisar, interpretar e decidir (e até planear as acções que implementam as decisões). Quando isto acontece, a reunião torna-se pesada, longa e, muitas vezes, inconclusiva. A gestão vai para casa com resmas de slides; o sistema fica na mesma.

Há anos li que Jeff Bezos introduziu na Amazon uma prática famosa para lidar com um problema universal: pessoas que chegam às reuniões sem ter lido a documentação previamente. Em vez de transformar a reunião numa aula improvisada, Bezos instituiu os 15 minutos de silêncio no início de cada reunião estratégica.

Funciona assim:
  • A documentação é distribuída antes; todos deveriam lê-la.
  • Mas como alguns chegam “em branco”, a reunião começa com 15 minutos de silêncio absoluto.
  • Cada pessoa lê a documentação final novamente, desta vez sem interrupções.
  • Só depois se começa a discutir — e já em cima de informação partilhada.
É simples, eficaz e profundamente alinhado com o espírito da ISO 9001: todos têm acesso aos factos, todos têm entendimento comum e a reunião avança directamente para a tomada de decisões.

Este pequeno truque elimina dois problemas clássicos:
  • as reuniões que se tornam apresentações;
  • e os participantes que opinam sem conhecer os dados.
Adoptar esta prática numa revisão pela gestão é transformar a reunião num momento de inteligência colectiva e não num desfile de slides.

O valor real da revisão do sistema não está em apresentar informação; está em decidir: que processos precisam de ser repensados, que riscos aumentaram e exigem acção, que recursos são necessários, que prioridades mudaram, que lições do passado influenciam o futuro.

Quando a reunião se liberta de apresentações, cria espaço para perguntas difíceis, para interpretações cruzadas, para aprendizagem organizacional e, sobretudo, para decisões alinhadas com a estratégia e o contexto.

Uma revisão pela gestão que se limita a apresentar dados não cumpre o propósito da ISO 9001; uma revisão que produz decisões claras, responsáveis e prazos definidos cumpre-o plenamente.

A revisão do sistema é um dos raros momentos em que a organização pára para pensar. Não desperdiçar esse espaço com apresentações é um teste de maturidade. A liderança reúne-se para tomar decisões estratégicas, não para ouvir.



terça-feira, dezembro 09, 2025

Curiosidade do dia

Apesar do mérito conjuntural, lamento não poder acompanhar o senhor ministro neste entusiasmo.

Os dados obrigam-nos a uma leitura mais prudente — e, sobretudo, mais estrutural.

Segundo a Conta Satélite do Turismo de 2024, o consumo turístico no território económico já representa 16,6% do PIB, e o contributo total do turismo atinge 11,9% do PIB. Nunca o turismo teve tanto peso na economia portuguesa, ultrapassando largamente o período pré-pandemia, quando rondava os 8% a 9%. Estamos agora entre os países europeus mais dependentes deste sector, ao lado da Grécia e da Croácia.

Este desempenho é extraordinário. Mas é precisamente isso que deve preocupar-nos.

O turismo é, por natureza, um sector altamente volátil. Depende do rendimento e da confiança dos nossos principais mercados emissores, das condições geopolíticas globais, do preço dos combustíveis, das alterações climáticas, da estabilidade das companhias aéreas, da imagem internacional do país — e, como aprendemos em 2020, pode colapsar quase da noite para o dia.

Quando uma economia cresce sobretudo graças ao turismo, o PIB sobe, as estatísticas sorriem e as manchetes multiplicam-se. Mas, por baixo dessa superfície brilhante, instala-se uma fragilidade estrutural: a economia fica dependente de um único motor, que trabalha com combustível instável.

O turismo cria emprego, sim. Mas continua a ser um sector predominantemente de baixos salários, baixa produtividade e forte sazonalidade. Não é daqui que virá a transformação estrutural de que Portugal precisa há décadas: mais conhecimento, mais tecnologia, mais indústria sofisticada, mais inovação. Não é daqui que virão empresas com capacidade de pagar salários significativamente superiores à média nacional.

O verdadeiro problema não é o turismo estar a crescer — é o que não está a crescer ao mesmo ritmo. Os meus mastins dos Baskerville. A indústria transformadora continua frágil, o investimento empresarial teima em não convergir com o europeu, a produtividade avança ao ritmo de caracol e sectores de maior valor acrescentado continuam a ser excepção, e não regra.

Portugal não pode confundir a euforia conjuntural com a solidez estrutural.

Celebrar um bom ano económico é legítimo; mas construir uma economia resiliente exige outra conversa.

O turismo, por melhor que esteja, não pode ser o nosso desígnio económico. Não há país desenvolvido cuja prosperidade assente maioritariamente num sector tão exposto a choques externos. E quanto mais Portugal subir no turismo, maior será a queda quando o ciclo virar — e ele irá virar.

O ministro celebra o dia de hoje.

Eu preocupo-me com o dia de amanhã.

Portugal merece ambição, não conformismo. Merece uma estratégia económica que reduza a dependência de um sector vulnerável e que aposte, de forma séria, consistente e contínua, em sectores capazes de aumentar a produtividade, gerar conhecimento e criar valor duradouro.

O turismo é importante.

Mas não pode ser — e muito menos deve ser celebrado como — a solução para todos os nossos problemas económicos.

Enquanto essa distinção não for acompanhada de um verdadeiro caminho de transformação estrutural, lamento: não posso acompanhar o senhor ministro no seu regozijo.


Como um mural num zoo explica o funcionamento de uma economia saudável

A economia é uma continuação da biologia — agora nas quatro paredes de um zoo.

Há dias, no Zoo de Basileia, parei diante de um mural que parecia ter sido desenhado para ilustrar aquilo que escrevo há anos aqui no blogue: a economia é uma continuação da biologia.


Centenas de pássaros de todas as cores, a voar em direcções diferentes, acompanhados por quatro frases simples:

  • A evolução não tem objectivo.
  • A evolução precisa de diferenças.
  • A evolução baseia-se na selecção.
  • A evolução cria diversidade.

Enquanto lia estas frases, dei por mim a sorrir: estavam ali, naquele corredor do Zoo, os alicerces de Mongo, a metáfora que uso para explicar o novo mundo económico em que vivemos.

Primeiro: A evolução não tem objectivo → O fim do século XX

O mural afirma: "EVOLUTION HAT KEIN ZIEL - L'ÉVOLUTION N'A PAS DE BUT."

E isso ecoa directamente no que descrevo em "Por que apareceu o BSC? (I)". O século XX acreditava que a economia tinha um caminho único. Um pico dominante. A escala, a eficiência, a standardização. O fordismo como destino final do progresso económico.

Mas a biologia ensina exactamente o contrário: a evolução não segue um plano pré-definido. A adaptação acontece ao sabor do contexto. Ou seja, "nature evolves away from constraints, not toward goals".

Quando o ambiente muda, a população muda com ele — ou desaparece.

Na economia, acontece o mesmo. O velho paradigma de um único pico foi substituído por uma paisagem enrugada, cheia de nichos, na qual empresas diferentes servem clientes distintos.

É aqui que nasce Mongo.

Segundo: A evolução precisa de diferenças → A explosão de variedade

Outra frase do mural: "EVOLUTION BRAUCHT UNTERSCHIEDE - L'ÉVOLUTION A BESOIN DE DIFFÉRENCES"

Isto é puro Mongo.

No século XX, variedade era sinónimo de ineficiência; no século XXI, é a fonte da vantagem competitiva.

Tal como no estudo das toutinegras de MacArthur — cinco espécies a viver na mesma árvore, sem competir directamente — também as empresas modernas só prosperam quando ocupam nichos distintos.

Hoje, a economia recompensa quem cria diferenças reais: novos atributos, novas experiências, novas linguagens, novas tribos. É uma verdadeira explosão câmbrica na área empresarial.

Terceiro: A evolução baseia-se na selecção → Deixar morrer para deixar nascer

O mural diz: "EVOLUTION BERUHT AUF AUSLESE - L'ÉVOLUTION REPOSE SUR LA SÉLECTION".

E aqui surge o ponto que tantos evitam discutir.

Se a economia é um ecossistema, a selecção é inevitável.

No blogue tenho escrito muito ao longo dos anos sobre este tema: se não deixamos as empresas morrer, impedimos a evolução. Por isso, enquanto alguns publicam isto no Twitter para criticar Milei, eu encontro motivos para o elogiar:

Recursos prisioneiros de zombies habituados a viver de apoios e benesses são libertados para que sejam utilizados pela economia do futuro.

Subsidia-se o zombie — e bloqueia-se o surgimento da nova espécie.

Mantém-se o incumbente ineficiente — e impede-se a subida da produtividade.

Confunde-se estabilidade com sobrevivência — quando a verdadeira lei biológica é adaptação.

Tal como na natureza, ecossistemas artificiais que evitam a selecção acabam por se tornar frágeis e improdutivos.

Quarto: A evolução cria diversidade → O futuro pertence aos muitos, não aos poucos

No mural lê-se: "EVOLUTION SCHAFFT VIELFALT - L'ÉVOLUTION CRÉE LA DIVERSITÉ"

E isto descreve exactamente o mundo económico contemporâneo.

Costumo escrever sobre a explosão de variedade, de múltiplos picos competitivos, de nichos que não existiam ontem e que surgem amanhã.

As empresas já não vivem todas na mesma serra; vivem numa cordilheira imensa, com picos separados por vales profundos. Cada pico simboliza uma proposta de valor distinta.

Tal como os pássaros do mural, cada empresa voa na sua direcção, criando padrões emergentes que nenhum planeador central conseguiria antecipar.

O mundo não regressa à homogeneidade — acelera rumo à diversidade.

O mural do Zoo é Mongo. E Mongo é o mural do Zoo.

Enquanto observava aqueles pássaros coloridos, percebi que o Zoo tinha conseguido numa imagem aquilo que tento explicar com palavras:

A economia muda sempre.

Não há objectivo final.

A diversidade é inevitável.

A selecção não perdoa.

A adaptação é a única constante.

E o novo mapa competitivo é uma paisagem viva, dinâmica, imprevisível.

A economia é biologia — por outros meios.

E a biologia está escrita naquela parede do zoo, à vista de todos.


segunda-feira, dezembro 08, 2025

Curiosidade do dia

 

Esta frase: "Não podemos dizer que houve falhas, porque tudo ACONTECEU num momento em que há uma mudança de turno na enfermagem..." é tão absurda!!!

Estive no estrangeiro. O homem já se demitiu? Foi demitido?

Cheira-me a alguém a arranjar aliados para uma futura situação em que precise. Tipo: “You scratch my back, and I'll scratch yours.”

Dizer que “não podemos falar de falhas porque tudo aconteceu durante a mudança de turno” é inverter completamente a lógica da segurança. Justamente porque há mudanças de turno, os processos críticos têm de estar blindados, com redundâncias, verificações independentes e responsabilidades claras. A transição entre equipas é sempre um momento vulnerável — e, por isso mesmo, não pode ser usada como desculpa; deve ser tratada como um risco conhecido e controlado.

Isto faz-me lembrar o caso verídico de um hospital inglês onde o doente acamado numa certa cama, a um determinado dia da semana, morria sempre — até se descobrir que a funcionária da limpeza desligava o ventilador para ligar o aspirador. A solução não foi “culpar a hora da limpeza”, e sim repensar o sistema, os dispositivos, os procedimentos e a formação. BTW, quem foi ao tribunal foi quem não deu formação.

E qualquer pessoa que já tenha visitado uma fábrica da indústria química sabe isto bem: na mudança de turno, nada fica sem controlo. As rondas são feitas, os equipamentos críticos são verificados e a passagem de informação é tratada com rigor quase militar. Porquê? Porque se alguém disser "estávamos em mudança de turno", pode já não haver instalação… nem trabalhadores. A segurança não espera.

Quando a segurança depende de uma pessoa estar “no sítio certo à hora certa”, o problema não é a pessoa — é o sistema. E quando um sistema permite que um bebé desapareça num hospital, a única atitude séria é investigar o processo, não proteger a narrativa. A mudança de turno é um facto inevitável; a falta de controlo, essa sim, é falível e deve ser corrigida.




 

Revisão pela gestão - preparar tudo, rever só o necessário (parte III)


Preparar tudo, discutir só o necessário: a lógica da cláusula 9.3.2

Quando a norma diz que a revisão pela gestão deve ser “planeada e realizada tendo em consideração” um conjunto alargado de entradas, está a pedir algo muito concreto: todas as entradas devem ser preparadas, analisadas e disponibilizadas à gestão antes da reunião. 

No momento da preparação da revisão, a organização deve produzir informação clara, bem analisada e bem pensada sobre tudo o que a norma lista na cláusula 9.3.2: auditorias, desempenho de processos, satisfação do cliente, reclamações, acções correctivas, adequação de recursos, contexto externo e interno, partes interessadas, riscos e oportunidades, entre outros. Este trabalho é obrigatório e independente do que será discutido, ou não, na reunião. Pode fazer parte de um relatório para a revisão do sistema.

Mas uma coisa é preparar informações sobre tudo; outra, muito diferente, é discutir tudo em reunião.
É aqui que muitas organizações desperdiçam tempo e energia — confundem a obrigação de preparar informação com a de ocupar a agenda. O resultado é uma revisão pesada, longa, dispersa e quase sempre improdutiva.

A ISO 9001 não exige isso. A norma pede que as entradas sejam consideradas; não diz que todas devem ser tratadas oralmente, nem que todas exigem decisão.

A solução inteligente: preparar 100%, discutir 20%. A prática mais eficaz — e totalmente conforme com a norma — é a seguinte:
  • Preparar toda a informação prevista na cláusula 9.3.2 num relatório para a revisão do sistema;
  • Analisar, sintetizar, apresentar tendências e disponibilizar tudo à gestão de topo antes da reunião.
Este trabalho garante a conformidade documental e permite que a gestão tenha uma visão completa do sistema. Depois, vem a preparação da agenda. E a informação do relatório deve ser utilizada para construir a agenda de forma selectiva

A agenda não deve ser uma lista de tópicos — deve ser uma lista de perguntas que exigem decisões.
Se um item foi analisado no relatório e não requer mudança, acção ou decisão, não precisa de ocupar tempo de reunião.

É apenas registado no relatório como "considerado sem necessidade de acção".

Há que concentrar a reunião apenas no que exige direcção, decisão ou mudança.

Depois, na acta da reunião registam-se que entradas geraram decisão — e quais não.

A norma exige evidência de consideração, não debate de cada parágrafo da cláusula 9.3.2. Registar que um item foi analisado (no relatório) e não exige acção é plenamente conforme — e, de facto, é uma boa prática.

Esta abordagem cria as condições para melhores reuniões de revisão, porque evita  que fiquem reduzidas a um exercício de “checklist” sem reflexão real. Ao separar claramente "informação que deve ser preparada" de "informação que deve ser debatida", a organização protege o tempo da gestão de topo e aumenta a qualidade das decisões.

A revisão deixa de ser uma descarga de dados e passa a ser um momento estratégico, onde a gestão responde a perguntas como:
  • O que precisa de mudar no sistema para continuar eficaz e adequado?
  • Que riscos se tornaram críticos este ano?
  • Que capacidades precisamos para o próximo ciclo?
  • Que processos deixaram de servir o futuro?
Não esquecer: A norma obriga-nos a olhar para tudo, mas não a discutir tudo. A organização cumpre a ISO 9001 quando prepara e analisa todas as entradas da cláusula 9.3.2, documenta que foram consideradas, selecciona para a reunião apenas os pontos que exigem decisões e centra a agenda em perguntas que obrigam a agir.

É a combinação de rigor documental e foco estratégico que transforma uma revisão pela gestão numa ferramenta de liderança — e não num ritual anual de apresentação de dados.



domingo, dezembro 07, 2025

Curiosidade do dia

Retratos do mundo actual retirados do The Times de 3 de Dezembro passado:

"Sensitivity protected

Workers who are sensitive to rejection and criticism can sue for disability discrimination, an employment tribunal ruled. Ryan Toghill who has "rejection sensitivity" — an intense response to perceived criticism, disapproval or rejection — as a side-effect of his ADHD successfully sued Lidl for unfair dismissal in Cardiff."


"Gen Z fears office chat more than AI

...

A third of Gen Z believe mental health days should be a standard workplace benefit as polling reveals they worry more about human interaction than artificial intelligence.

Topping the list of anxieties were working with unknown people (42 per cent), having to make small talk (38 per cent), anxiety about using the phone (30 per cent) and having to get up early (28 per cent). Young people were more concerned about office interactions than losing their jobs because of AI." 

O que isto diz dos pais que criaram esta geração? 



Chocolate - Inovar é mudar de quadrante, não só de produto (parte III)

Nos últimos dias li três histórias que, apesar de vindas de mundos diferentes, contam exactamente a mesma transformação profunda: o chocolate artesanal da Amazónia, o azeite premium e o café de especialidade em Paris.

Três produtos banais — cacau, azeitona, café — que deixam de competir pelo centro e passam a competir pelos nichos. É Mongo em estado puro.

O New York Times do passado dia 3 de Dezembro publicou o artigo "Helping the Amazon With Chocolate" que descreve o novo movimento de chocolate “bean-to-bar” dentro da floresta. Pequenos produtores deixam de vender cacau barato para exportação e passam a transformá-lo em chocolates premium, com frutos, sementes e técnicas locais.

O cacau não mudou. Mudou o significado.

Mudou o quadrante. É passar do quadrante 1 para o quadrante 4: novo produto, novo mercado, nova narrativa — e margens muito superiores.

Tal como escrevi sobre o burel:

“O tecido não mudou. Mas o que se fazia com ele, sim.”

O cacau também não mudou. Mas agora transforma-se em:

  • barras com frutos amazónicos,
  • chocolates com cumaru,
  • lotes com terroir de comunidades indígenas,
  • narrativas de biodiversidade, cultura e responsabilidade.

É exactamente o espírito Mongo: não competir pelo centro, mas criar picos próprios — sabores únicos, histórias únicas, processos únicos.

No azeite premium acontece o mesmo. Não é produzir mais; é produzir diferente. Identidade, narrativa, embalagem, edições limitadas, infusionados, storytelling — tudo aquilo que transforma azeite numa experiência.

O que Paris fez ao café é uma lição de Mongo: não há “o melhor café”. Há mil pequenos picos, cada um com o seu terroir, o seu método, a sua tribo de gosto. O consumidor já não quer um café — quer o seu café.

Em todos estes casos, o valor aparece quando se abandona o centro. Quando se escolhe um nicho, uma história, um sabor, uma identidade.

Mongo não é moda; é a nova estrutura dos mercados onde há abundância.

Quanto mais indiferenciados os produtos, mais valioso se torna o acto de os diferenciar.

A Amazónia, Paris e Trás-os-Montes têm mais em comum do que parece: descobrir que o futuro não está na massificação, mas na especialização. Não é produzir mais barato.

É produzir com significado, é produzir diferente, com história, com identidade, com coragem de escolher um pico e aprofundá-lo.

sábado, dezembro 06, 2025

Curiosidade do dia




Revisão pela gestão - questões em vez de tópicos (parte II)

Uma revisão pela gestão eficaz começa muito antes da reunião ter lugar. Começa pelo modo como a agenda é construída. A ISO 9001 exige decisões informadas, análise crítica e foco no futuro — mas muitas agendas continuam a ser meras listas de tópicos, como "Auditorias", "Reclamações", "Indicadores" ou "Objectivos". Tópicos assim não dizem nada sobre o porquê de cada ponto estar ali (parece que estão ali apenas porque fazem parte da cláusula 9.3.2), nem sobre o que se espera decidir. Resultado: reuniões longas, dispersas, reactivas e pobres em conclusões.

Há um modo simples e poderoso de transformar tudo isto: escrever a agenda como perguntas, não como tópicos. A diferença parece subtil, mas tem um efeito profundo na clareza, na participação e na tomada de decisão.

As perguntas exigem clareza de propósito. Um tópico como "Indicadores do processo comercial" não revela o motivo da discussão. Mas uma pergunta como "Que decisões devemos tomar sobre o desempenho do processo comercial no último ano?" esclarece de imediato o objectivo. A equipa deixa de vaguear. O foco impõe-se.

Uma pergunta dá direcção; um tópico apenas apresenta uma intenção vaga.

As perguntas definem o tipo de conversa esperado. Quando a agenda apresenta apenas tópicos, ninguém sabe se o propósito é informar, analisar, discutir ou aprovar. As perguntas eliminam a ambiguidade:
  • “Que riscos precisamos considerar antes de aprovar este objectivo?”
ou
  • “Que opções temos para resolver esta não conformidade recorrente?”
Assim, todos chegam à reunião preparados para o nível de reflexão adequado.

As perguntas aumentam a participação. Perante um tópico abstracto, muitos adoptam a atitude passiva do "vamos ver o que acontece". As perguntas fazem o contrário: obrigam o cérebro a procurar uma resposta e, por isso, convidam à participação. Gera-se um contributo mais rico, mais concentrado e mais colectivo.

Perguntas puxam pela inteligência da equipa; tópicos deixam a inteligência adormecida.

As perguntas encurtam reuniões e evitam dispersões. Cada ponto pode ser encerrado com uma simples verificação: "Respondemos a esta pergunta?"

Se sim, avança-se. Se não, clarifica-se o que falta. Desta forma, evitam-se divagações, repetições e discussões paralelas — aquelas que transformam uma revisão pela gestão numa maratona sem rumo.

As perguntas revelam pressupostos escondidos. Uma lista de tópicos raramente obriga alguém a explicitar o raciocínio. Uma pergunta, pelo contrário, impõe a exposição das premissas.

Um exemplo simples:
Tópico — “Recursos e orçamento”
Pergunta — “Quais são as limitações reais de recursos para o próximo ano e que pressupostos estamos a fazer?”
A segunda formulação torna visível aquilo que a primeira esconde. E só quando se revelam os pressupostos é possível tomar boas decisões — exactamente o que a ISO 9001 exige.

Exemplos práticos na ISO 9001. Aqui fica uma tradução directa para o contexto da revisão do sistema pela gestão:





sexta-feira, dezembro 05, 2025

Curiosidade do dia

A propósito deste artigo publicado no JdN, "Vendas da dinamarquesa Jysk em Portugal sobem 35% para 60,6 milhões de euros".

Este artigo é um bom exemplo para explicar os custos de oportunidade.

Portugal tem tradição no fabrico de mobiliário. Faz sentido a uma empresa portuguesa fabricar mobiliário para Portugal? 



Só se for para nichos com preços mais elevados.

A Jysk posiciona-se claramente no segmento preço-acessível (value-for-money), comparável à IKEA ou Conforama. Ou seja, opera no chamado segmento mid-low. Os clientes-alvo da Jysk são:

  • Consumidores sensíveis ao preço;
  • Famílias que procuram mobiliário funcional, acessível e rápido de comprar;
  • Jovens em primeiras habitações; 
Não é marca de design premium, não é marca artesanal e não vende mobiliário de gama alta. O seu posicionamento é volume, preço competitivo, rotação rápida e logística eficiente.

Onde é que a Jysk compra os seus produtos? Ásia e Europa de Leste (sobretudo na Polónia em grandes produtores de mobiliário plano).

As empresas portuguesas de mobiliário não conseguem competir com as Jysks deste mundo, não têm nem escala nem custos. Tentar servir o mercado português é suicidário. É preferível apostar em servir clientes estrangeiros dispostos a pagar por um artigo mais caro.

Se as empresas portuguesas tentarem fabricar para competir com a JYSK no mercado interno, acabam por abdicar da alternativa onde realmente possuem vantagens competitivas. Em vez de produzirem para mercados internacionais dispostos a pagar mais, para compradores profissionais (contract, hospitality, corporate), para nichos de design, para mobiliário técnico e personalizado, para peças de madeira maciça com maior valor acrescentado ou para pequenas séries por encomenda onde a flexibilidade e a proximidade ao cliente contam, estariam a usar a sua capacidade produtiva num segmento onde não têm escala nem custos para vencer.

O custo de oportunidade é enorme: perdem margens, perdem energia, perdem tempo e perdem talento — tudo para disputar um mercado onde estruturalmente não podem ganhar. Esses recursos poderiam ser canalizados para caminhos muito mais promissores: desenvolver marcas próprias de gama média-alta, exportar com preços superiores, investir em design, fortalecer a fileira, criar valor acrescentado, inovar em materiais e acabamentos e conquistar mercados onde Portugal já é reconhecido e valorizado.

Parece simples, mas Paulo Portas e muitos, muitos, muitos não percebem.